Violência contra médicos sobe 68% em dez anos; enfermeiros também são vítimas: 'Trabalho com medo de ser o próximo esfaqueado'
SAUDE

"Meu marido falou: um dia eu vou buscar o seu corpo no seu trabalho", desabafa Karina Valverde, de 45 anos, técnica de enfermagem agredida pela acompanhante de uma paciente em um hospital na zona oeste de São Paulo.
O episódio ocorreu quando ela e uma colega tentaram organizar o fluxo de acompanhantes dentro da sala de medicação. Após uma discussão, Karina foi agredida com arranhões, socos e tapas pela filha da paciente.
"Não tinha ninguém para me ajudar. O segurança é patrimonial, não interfere nesses tipos de caso. A médica do plantão também havia sido agredida dias antes", conta.
A história de Karina é mais uma entre milhares que se multiplicam em consultórios, prontos-socorros e unidades básicas de saúde em todo o Brasil. A violência contra profissionais da saúde cresceu exponencialmente na última década.
Casos de violência contra médicos aumentaram 68% em dez anos, segundo levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) obtido pelo g1.
Só em 2024, foram registrados 4.562 boletins de ocorrência, o maior número da série histórica. Isso significa que 12 médicos são agredidos por dia no país.
Enfermeiros também são vítimas: um levantamento realizado em 2023 pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) revelou que 80% dos profissionais de enfermagem no estado já foram vítimas de agressões no ambiente de trabalho. No Distrito Federal, outra pesquisa aponta que 82,7% dos enfermeiros ou técnicos já sofreram violência física enquanto trabalhavam. O caso de Karina aconteceu em maio e ela está afastada do trabalho desde então, com síndrome do pânico e ansiedade.
“Volto [de licença] na próxima semana e já estou ansiosa. De tanto pânico e ansiedade, tive alopecia, meu cabelo caiu todo. Faço tratamento psicológico, mas sigo muito assustada.”
"Todo plantão é assim: trabalhamos sob ameaça. Dizem que atendemos com 'cara feia', mas é medo mesmo. Medo de morrer", diz Karina. Concursada, ela está afastada de dois empregos devido aos ferimentos e abalo emocional.
“Meu filho me viu chegar em casa e chorou tanto… Dizia: ‘não acredito que a senhora foi trabalhar e voltou desse jeito’.” 'É comum, virou parte do trabalho'
A médica Júlia Alves*, que pediu para não ser identificada, atua em um pronto-socorro infantil em Guarapari, Espírito Santo. Ao g1, ela diz que a exaustão emocional virou rotina. "As agressões verbais são diárias e normalizadas", conta.
Em um dos plantões, ela levou um soco no rosto de uma mãe que exigia atendimento imediato para o filho. Ela relata o mesmo problema de Karina: o segurança do local era só patrimonial. "Ele estava ao meu lado e não fez nada."
Seguranças patrimoniais têm a função de proteger o patrimônio do hospital. Segundo o CFM, quem pode agir em casos de violência é a Guarda Civil Metropolitana (GCM) ou a polícia. Não há profissionais de segurança pública nas unidades de saúde.
Na maioria das vezes, os médicos agredidos optam por não denunciar. "Fiz boletim de ocorrência e exame de corpo de delito, mas escolhi não seguir com processo judicial. Seria um transtorno", afirma Júlia.
Em Goiás, o médico Pablo Henrique de Araújo Leal, de 27 anos, foi agredido com socos pelo marido de uma paciente que morreu na Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Segundo a Polícia Militar, o suspeito acredita que o médico foi negligente ao atender a esposa dele e, consequentemente, permitiu que ela morresse.
Todos os entrevistados para esta reportagem consentem que há, pelo menos, uma agressão – verbal ou física – todos os dias no ambiente em que trabalham.
"Já levei tapa no braço, tive que correr e me trancar em uma sala porque um pai queria me agredir", relata Expedito Bezerra Barbosa Júnior, médico de um pronto-socorro infantil em São Paulo.
“O medo hoje é real. A gente trabalha com receio de ser o próximo a ser esfaqueado.”
Expedito, que atua tanto em unidades públicas quanto privadas, chama atenção para o esgotamento estrutural do sistema. “Os bons profissionais não querem mais os plantões. A maioria dos hospitais públicos – e alguns privados – não tem recursos o suficiente para o paciente. Faltam médicos, falta estrutura", ele diz.
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